O busto de Gonçalves Dias, observado pelo poeta Wybson Carvalho no Morro da Laranjeira – Mata do Jatobá.

Há quase dois séculos, precisamente, nesta data de 10 de agosto de 1823, no Morro da Laranjeira, num sítio denominado de Boa Vista, localizado na Mata do Jatobá, distante cerca de 14 léguas da Vila de Caxias das Aldeias Altas, nascia o filho do comerciante português João Manoel Gonçalves Dias e da cafuza brasileira Vicência Mendes Ferreira: Antônio Gonçalves Dias, o Imperador da Lira Americana e filho ilustre da terra de palmeiras onde canta o sabiá.

O porquê:
A Vila de Caxias fora no século XVIII um vigoroso centro comercial, localizado às margens do Rio Itapecuru, num período em que a navegação era o mais importante meio de circulação das riquezas e muito se beneficiou dessa circunstância.

Porto de entrada para o Alto Itapecuru e para a então região dos Pastos Bons, além de destino ou passagem do intenso intercâmbio mercantil a partir da Bahia até os sertões maranhenses, a Vila de Caxias foi um florescente entreposto de compra e venda de gado e de produtos agrícolas, principalmente arroz e algodão, de acentuada participação na economia do estado na época.

A crescente prosperidade do lugar atraiu inúmeros comerciantes europeus para a Vila de Caxias, dentre os muitos, os portugueses e, entre eles, João Manoel Gonçalves Dias, que não figurava entre os principais negociantes em Caxias daquela época, mas avultava influentes capitalistas. Era solidamente estabelecido com uma casa de comércio na Rua do Cisco, junto à qual residia num sobrado com Vicência Mendes Ferreira, uma cafuza separada do marido e a quem tomava por companheira.

Precisamente na segunda metade do ano de 1823, a forte reação contra a independência teve, na Vila de Caxias, ainda, um dos seus centros de maior ressonância. O cerco ao lugar e sua posterior capitulação custaram muito sangue derramado e revelaram, tanto da parte das tropas sob o comando do Major Fidié, quanto entre os que lutavam pela causa nativista, muita bravura e determinação.

É bastante compreensível que o português João Manoel Gonçalves Dias formasse, ao lado de outros compatriotas, adeptos da continuidade do Brasil como colônia de sua pátria, Portugal. Por tal motivo, logo que se tornou vitoriosa a causa nacionalista brasileira, sobre quantos, por ação ou omissão, contribuíram para impedir ou retardar a adesão do Maranhão à independência, a Junta de Delegação Extraordinária do Ceará e Piauí, consumada a capitulação, lançou multas que variavam de oito contos de réis a quatro mil réis. Alguns pagaram a quantia estipulada, houve quem conseguisse redução da pena, outros obtiveram a absolvição, ao passo que uns fugiram do ônus imposto, expediente ao qual recorreu João Manoel Gonçalves Dias, multado em um conto de réis.

 

Casa em sobrado, na cidade de Caxias, na qual residiu o poeta Gonçalves Dias e a de canto, pegada a ela, era onde seu pai comercializava com a sua ajuda já aos oito anos de idade.

Deixando Caxias com Vicência, que se encontrava em adiantado estado de gestação, o português João Manoel Gonçalves Dias refugiou-se num sítio que possuía no lugar Boa Vista, pertencente à data Jatobá, distante cerca de 14 léguas de onde partira. Foi, então, no desconforto desse esconderijo que em 10 de agosto de 1823 nasceu o menino batizado Antônio Gonçalves Dias, e a quem o destino reservara a glória de primeiro grande poeta brasileiro.

“É, pois, para todos os brasileiros, mas cabe mais, particularmente, aos filhos desta terra pugnar pelas suas glórias. Caxias, que tão dignamente figura na República das Letras, deve dar o exemplo de como se estimar os bons engenhos, de como zelar a fama própria, de como se respeitam esses grandes vultos que são o Panteon da Posteridade…”.

Dissera o poeta Antônio Gonçalves Dias. Pois hoje, aqui, neste jornal, traz estes cunhos: cívico e cultural no qual ratificamos Caxias em um bom engenho e, literalmente, berço de filhos com brilho próprio que a tornam um fiel Panteon cívico e histórico ao nosso povo.

Fonte de pesquisa: Vida e Obra de Gonçalves Dias – Jomar Moraes.
* Wybson Carvalho, poeta e membro da Academia Caxiense de Letras.

Antônio Gonçalves Dias (Caxias, 10 de agosto de 1823 — Guimarães, 3 de novembro de 1864) foi um poeta e teatrólogo brasileiro.

Biografia
Nascido em Caxias, era filho de uma união não oficializada entre um comerciante português com uma mestiça cafuza brasileira (o que muito o orgulhava de ter o sangue das três raças formadoras do povo brasileiro: branca, indígena e negra) e estudou inicialmente por um ano com o professor José Joaquim de Abreu, quando começou a trabalhar como caixeiro e a tratar da escrituração da loja de seu pai, que veio a falecer em 1837.

Iniciou seus estudos de latim, francês e filosofia em 1835 quando foi matriculado em uma escola particular. Foi estudar na Europa, em Portugal, em 1838, onde terminou os estudos secundários e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1840), retornando em 1845, após bacharelar-se. Mas antes de retornar, ainda em Coimbra, participou dos grupos medievistas da Gazeta Literária e de O Trovador, compartilhando das ideias românticas de Almeida Garrett, Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho. Por se achar tanto tempo fora de sua pátria, inspira-se para escrever a “Canção do Exílio” e parte dos poemas de “Primeiros Cantos” e “Segundos Cantos”, o drama “Patkull” e “Beatriz de Cenci”, depois rejeitado por sua condição de texto “imoral” pelo Conservatório Dramático do Brasil. Foi ainda neste período que escreveu fragmentos do romance biográfico “Memórias de Agapito Goiaba”, destruído depois pelo próprio poeta, por conter alusões a pessoas ainda vivas.

No ano seguinte ao seu retorno conheceu aquela que seria sua grande musa inspiradora: Ana Amélia Ferreira Vale. Várias de suas peças românticas, inclusive “Ainda uma vez — Adeus”, foram escritas para ela. Nesse mesmo ano ele viajou para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, onde trabalhou como professor de história e latim do Colégio Pedro II, além de ter atuado como jornalista, contribuindo para diversos periódicos: Jornal do Commercio, Gazeta Oficial, Correio da Tarde e Sentinela da Monarquia, publicando crônicas, folhetins teatrais e crítica literária.

 

Litografia de Gonçalves Dias em rótulo de cigarro.

Em 1849, fundou com Manuel de Araújo Porto-alegre e Joaquim Manuel de Macedo a revista Guanabara, que divulgava o movimento romântico da época. Em 1851, voltou a São Luís do Maranhão, a pedido do governo, para estudar o problema da instrução pública naquele estado.

Gonçalves Dias pediu Ana Amélia em casamento em 1852, mas a família dela, em virtude da ascendência mestiça do escritor, refutou veementemente o pedido. No mesmo ano retornou ao Rio de Janeiro, onde casou-se com Olímpia da Costa. Logo depois foi nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Passou os quatro anos seguintes na Europa realizando pesquisas em prol da educação nacional. Voltando ao Brasil foi convidado a participar da Comissão Científica de Exploração, pela qual viajou por quase todo o norte do país.

Voltou à Europa em 1862 para um tratamento de saúde. Não obtendo resultados retornou ao Brasil em 1864 no navio Ville de Boulogne, que naufragou na costa brasileira. Salvaram-se todos, exceto o poeta, que foi esquecido agonizando em seu leito e se afogou. O acidente ocorreu nos baixios de Atins, perto da vila de Guimarães no Maranhão.

Sua obra pode ser enquadrada no Romantismo. Procurou formar um sentimento nacionalista ao incorporar assuntos, povos e paisagens brasileiras na literatura nacional. Ao lado de José de Alencar, desenvolveu o Indianismo. Por sua importância na história da literatura brasileira, podemos dizer que Gonçalves Dias incorporou uma ideia de Brasil à literatura nacional.

O grande amor: Ana Amélia

Retrato de Gonçalves Dias.

Por ocasião da elaboração da antologia poética da fase romântica, elaborada por Manuel Bandeira, Onestaldo de Pennafort gentilmente escreveu a nota que segue, retirada daquela obra e aqui transcrita:

“A poesia “Ainda uma vez –adeus,–” bem como as poesias “Palinódia e “Retratação” — foram inspiradas por Ana Amélia Ferreira do Vale, cunhada do Dr. Teófilo Leal, ex-condiscípulo do poeta em Portugal e seu grande amigo.

“Gonçalves Dias viu-a pela primeira vez em 1846 no Maranhão. Era uma menina quase, e o poeta, fascinado pela sua beleza e graça juvenil, escreveu para ela as poesias “Seus olhos” e “Leviana”. Vindo para o Rio, é possível que essa primeira impressão tenha desaparecido do seu espírito. Mais tarde, porém, em 1851, voltando a S. Luís, viu-a de novo, e já então a menina e moça de 46 se fizera mulher, no pleno esplendor da sua beleza desabrochada. O encantamento de outrora se transformou em paixão ardente, e, correspondido com a mesma intensidade de sentimento, o poeta, vencendo a timidez, pediu-a em casamento à família.

“A família da linda Don`Ana — como lhe chamavam — tinha o poeta em grande estima e admiração. Mais forte, porém, do que tudo era naquele tempo no Maranhão o preconceito de raça e casta. E foi em nome desse preconceito que a família recusou o seu consentimento.

“Por seu lado o poeta, colocado diante das duas alternativas: renunciar ao amor ou à amizade, preferiu sacrificar aquela a esta, levado por um excessivo escrúpulo de honradez e lealdade, que revela nos mínimos atos de sua vida. Partiu para Portugal. Renúncia tanto mais dolorosa e difícil por que a moça que estava resolvida a abandonar a casa paterna para fugir com ele, o exprobrou em carta, dura e amargamente, por não ter tido a coragem de passar por cima de tudo e de romper com todos para desposá-la!

“E foi em Portugal, tempos depois, que recebeu outro rude golpe: Don`Ana, por capricho e acinte à família, casara-se com um comerciante, homem também de cor como o poeta e nas mesmas condições inferiores de nascimento. A família se opusera tenazmente ao casamento, mas desta vez o pretendente, sem medir considerações para com os parentes da noiva, recorreu à justiça, que lhe deu ganho de causa, por ser maior a moça. Um mês depois falia, partindo com a esposa para Lisboa, onde o casal chegou a passar até privações.

“Foi aí, em Lisboa, num jardim público, que certa vez se defrontaram o poeta e a sua amada, ambos abatidos pela dor e pela desilusão de suas vidas, ele cruelmente arrependido de não ter ousado tudo, de ter renunciado àquela que com uma só palavra sua se lhe entregaria para sempre. Desvairado pelo encontro, que lhe reabrira as feridas e agora de modo irreparável, compôs de um jato as estrofes de “Ainda uma vez — adeus –” as quais, uma vez conhecidas da sua inspiradora, foram por esta copiadas com o seu próprio sangue.”

Julgamento crítico

De Alexandre Herculano
“Os primeiros cantos são um belo livro; são inspirações de um grande poeta. A terra de Santa Cruz, que já conta outros no seu seio, pode abençoar mais um ilustre filho. O autor, não o conhecemos; mas deve ser muito jovem. Tem os defeitos do escritos ainda pouco amestrado pela experiência: imperfeições de língua, de metrificação, de estilo. Que importa? O tempo apagará essas máculas, e ficarão as nobres inspirações estampadas nas páginas deste formoso livro.

Abstenho-me de outras citações, que ocupariam demasiado espaço, não posso resistir à tentação de transcrever das Poesias Diversas uma das mais mimosas composições líricas que tenho lido na minha vida. (Aqui vinha transcrita a poesia Seus Olhos.) Se estas poucas linhas, escritas de abundância de coração, passarem, os mares, receba o autor dos Primeiros Cantos testemunho sincero de simpatia, que não costuma nem dirigir aos outros elogios encomendados nem pedi-los para si”. (“Futuro Literário de Portugal e do Brasil” em Revista Universal Lisbonense, t.7, pág. 7 ano de 1847-1848)

De José de Alencar
“Gonçalves Dias é o poeta nacional por excelência: ninguém lhe disputa na opulência da imaginação, no fino lavor do verso, no conhecimento da natureza brasileira e dos seus costumes selvagens”. (Iracema)

De Machado de Assis
“Depois de escrita a revista, chegou a notícia da morte de Gonçalves Dias, o grande poeta dos Cantos e dos Timbiras. A poesia nacional cobre-se, portanto, de luto. Era Gonçalves Dias o seu mais prezado filho, aquele que de mais louçania a cobriu. Morreu no mar-túmulo imenso para talento. Só me resta espaço para aplaudir a ideia que se vai realizar na capital do ilustre poeta. Não é um monumento para Maranhão, é um monumento para o Brasil. A nação inteira deve concorrer para ele.” (Crônicas em Diário do Rio de Janeiro, de 9 de novembro de 1894)

Cronologia
•    1823 – 10 de agosto: Nasce no sítio Boa Vista, em terras de Jatobá, a 14 léguas da vila de Caxias, Antônio Gonçalves Dias. Filho do comerciante João Manuel Gonçalves Dias, natural de Trás-os-Montes, e de Vicência Ferreira, maranhense.
•    1830 – É matriculado na aula de primeiras letras do Prof. José Joaquim de Abreu.
•    1833 – Começa a servir na loja do pai como caixeiro e encarregado da escrituração.
•    1835 – É retirado da casa comercial e matriculado no curso do Prof. Ricardo Leão Sabino, onde principia a estudar latim, francês e filosofia.
•    1838 – Parte para São Luís, onde embarcará para Portugal; chega em outubro a Coimbra e entra para o Colégio das Artes.
•    1840 – 31 de outubro: Matricula-se na universidade.
•    1845 – Embarca no Porto para São Luís, aonde chega em março, partindo no dia 6 para Caxias.
•    1846 – Embarca para o Rio de Janeiro.
•    1847 – Aparecem os Primeiros Cantos, trazendo no frontispício a data de 1846.
•    1848 – Aparecem os Segundos Cantos e Sextilhas de Frei Antão.
•    1849 – É nomeado professor de latim e história do Brasil no Colégio Pedro II.
•    1851 – Publicação dos Últimos Cantos.
•    1852 – É nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros
•    1854 – Parte para Europa.
•    1856 – Viagem à Alemanha. É nomeado chefe da seção de Etnografia da Comissão Científica de Exploração.
•    1857 – O livreiro-editor Brockhaus, de Dresda, edita os Cantos, os primeiros quatro cantos do poema Os Timbiras e o Dicionário da Língua Tupi.
•    1859 – 1861 – Trabalhos da Comissão no interior do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pará e Amazonas, chegando até Mariná, no Peru.
•    1862 – Parte para o Maranhão, mas no Recife, depois de consultar médico, resolve embarcar para Europa.
•    1862 – 22 de agosto: É desligado da Comissão Científica de Exploração.
•    1862 – 1863 – Estação de cura em Vicky, Marienbad, Dresda, Koenigstein, Teplitz e Carlsbad. Em Bruxelas sofre a operação de amputação da campainha.
•    1863 – 25 de outubro: Embarca em Bordéus para Lisboa, onde termina a tradução de A Noiva de Messina, de Schiller.
•    1864 – Fins de Abril: Volta a Paris. Estações de cura em Aix-ls-Bains, Allevard e Ems (maio, junho e julho).
•    1864 – 10 de setembro: Embarca o poeta no Haver no navio Ville de Boulogne. Piora em viagem.
•    1864 – 3 de novembro: Naufrágio nas costas do Maranhão e morte de Gonçalves Dias.

Obras
•    1843: Canção do Exílio
•    1843: Patkull
•    1846: Primeiros Cantos
•    1846: Meditação
•    1846: O Brasil e Oceania
•    1848: Segundos Cantos
•    1848: Sextilhas de Frei Antão
•    1846: Seus Olhos
•    1857: Os Timbiras
•    1851: I-Juca-Pirama
•    1858: Dicionário da Língua Tupi, chamada língua geral dos indígenas do Brasil
•    1859: Segura o Índio Louco
•    1997: Zica da Patagônia

Por Wybson Carvalho.